IV Simpósio Internacional

do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena (PPGADC)
Instituto de Artes da Unicamp
REPENSANDO MITOS CONTEMPORÂNEOS
Artes performativas e formas de vida 

Caminhar, Cozinhar, Sonhar

​

Nesta 4ª edição do Simpósio, partimos da constatação da multiplicidade de crises que afetam o mundo contemporâneo - de natureza ecológica, social, política, existencial - sinalizando, com crescente nitidez, o esgotamento de formas de vida hegemônicas que se espalharam pelo planeta. O sentimento de urgência em relação a necessidade de transformações profundas se expressa tanto no discurso científico sobre o Antropoceno e o colapso ambiental, como nas narrativas de povos tradicionais sobre a “queda do céu” e o “fim de um mundo”, que nos incitam a um enfrentamento radical das crises, sob o risco da inviabilização da própria vida na Terra. Mitologias do fim e recomeço, do tempo cíclico, da destruição e da renovação, estão presentes numa grande diversidade de culturas, inclusive a Ocidental. No Brasil, a consciência sobre tal período de transição parece ser particularmente aguda entre povos indígenas e afro-brasileiros, seja porque são as vítimas imediatas do processo colonial que iniciou tal destruição, seja pelo senso de ancestralidade e conectividade com a vida do planeta, que caracterizam suas cosmologias.

As artes performativas têm se afirmado como um campo privilegiado para a elaboração de tais inquietações, trazendo-nos referências vivas de outras culturas e tempos, colocando nossos modos de vida em perspectiva. O desejo de aproximação entre arte e vida, que surge com as vanguardas históricas no começo do século XX, reaparece no contexto contemporâneo numa atmosfera, muitas vezes, distópica. A discussão agora gira em torno das possibilidades das artes semearem experiências que possam produzir marcas e memórias, estimulando a renovação das formas de vida, em contraponto aos dispositivos biopolíticos que instrumentalizam os modos de existência. Neste sentido, o Simpósio pretende propor reflexões e atividades artísticas em torno de algumas “ações vitais”, ligadas à alimentação, às caminhadas e ao aprofundamento da relação com os sonhos, pontuadas por práticas de atenção e silêncio, produzindo assim “ritmos” entre o fazer e o refletir, o agir e o contemplar, o expandir e o recolher, trabalhando com uma noção expandida do fazer artístico, conectada às práticas cotidianas e suas possibilidades de ressignificação e potencialização. 

Nesta direção, estamos propondo a composição de palestras e debates com experiências artísticas feitas em subgrupos, conduzidas por uma equipe de organizadores e pesquisadores convidados. Os trabalhos desenvolvidos nos subgrupos serão compartilhados e discutidos. Abriremos também a possibilidade de produção a posteriori, de papers e artigos sobre os temas e experiências desenvolvidas no Simpósio, que poderão ser publicados no site e na Revista da Pós-Graduação do Departamento de Artes da Cena (Conceição/Conception). 

Os três eixos que nortearão o evento são: 

​

1. Caminhar  

O caminhar como prática de deslocamento corporal e perceptivo, ampliando e às vezes rompendo com padrões habituais de relação consigo, com o outro e com o ambiente. Estudos de diferentes abordagens da caminhada em contextos histórico-culturais e sociais distintos. O caminhar como prática estética, artística, a(r)tivista e pedagógica. O caminhar como desencadeador de escritas reflexivas e/ou poéticas e seus desdobramentos performativos. Elaboração de dispositivos distintos de caminhada, por diferentes espaços, envolvendo grupos ou não. 

2. Cozinhar 

​Como o ato de cozinhar pode servir para repensar as nossas ideias sobre a arte e a separação entre a arte e a vida? Além de uma experiencia estética e comum na vida cotidiana, comer e cozinhar invocam memórias, sentimentos e a sensação de pertencimento, fornecendo ferramentas para a criação de projetos baseados no tempo que conduzem o público a pausar e a pensar, a reexaminar objetos e atos do dia a dia. Questionar e experimentar com nossos hábitos alimentares, sua conexão com nossas memórias, grupos a que pertencemos, trajetórias de vida e nossa relação com o meio ambiente são alguns tópicos a serem trabalhados com os pesquisadores que conduzirão este eixo de trabalho.

3. Sonhar 

O sonhar e a partilha dos sonhos como método de conhecimento do mundo. A dimensão comunitária do sonho - campo de enraizamento, interação e empatia 

com o coletivo. Sonhar como percepção do invisível, como o avesso do que é familiar. A prática do sonhar como um oceano de recombinações possíveis entre passado, presente e futuro. Construção de dispositivos que aproximam a atividade onírica do saber fazer arte. Como o sonho se insere no seu projeto criativo? 

Como práticas transversais, que introduzirão e finalizarão os trabalhos de cada dia, serão propostos exercícios de atenção e silêncio, envolvendo todos os participantes, baseados em tradições contemplativas, especialmente do Budismo do Sul da Ásia. Tais práticas tradicionais são muito eficazes para interrupção do nosso envolvimento automático, físico e mental, com o cotidiano, abrindo espaço para uma percepção mais sutil da realidade e uma disponibilidade de conexão com o outro, estados estes fundamentais para as investigações propostas dentro dos grupos. A condução desses exercícios será feita por pesquisadores experientes, que têm desenvolvido investigações sobre a relação entre tradições contemplativas e processos artísticos de criação.